21/03/2025 às 12h51min - Atualizada em 21/03/2025 às 10h47min

Benditas sejam as suas mãos

Claudia Vanessa Bergamini

Claudia Vanessa Bergamini

Do Norte para o Sul

Claudia Vanessa Bergamini
outraspavras.com.br

As tradições vêm de um saber ancestral. Muitas profissões, inclusive, advêm das tradições e vão sendo transferidas de geração em geração. Há, porém, uma profissão que, embora faça parte da tradição, não se transfere a qualquer pessoa, ela não é uma escolha, porque simplesmente emana de mãos que nasceram com um saber especial ligado a elas, trata-se de um chamado. Ouvi no Acre a história de uma pessoa que nasceu com mãos tomadas por esse saber especial. Áurea Ferreira de Souza teve uma vida longínqua e mãos benditas. Viveu por 85 anos, e uma parte desses anos foi vivida no interior do Acre, leia-se: viver numa comunidade bem distante da cidade. Aos 7 anos de idade, ela já tinha visto seu pai pôr em prática seu saber que é dos mais antigos da história da humanidade: realizar partos. É mais comum o trabalho de mulheres no ofício da partería, mas o pai de Áurea era o parteiro da comunidade. Quando Áurea tinha 7 anos, seu pai foi à cidade comprar mantimentos, a esposa grávida ficou com as crianças. A viagem não era rápida, o deslocamento era feito ou pelo rio ou pela floresta. A mulher entrou em trabalho de parto. E com a serenidade que somente as pessoas que nascem prontas para o trabalho de cuidar e de auxiliar a mulher na dolorosa tarefa de trazer ao mundo uma criança, Áurea tomou a decisão de fazer o parto da mãe. As mãozinhas da menina se abriram ágeis para apoiar a mãe no momento paradoxal de dor e de alegria. A vida do pequeno bebê pulsou no ritmo das batidas do coração de Áurea. Três vidas ali ligadas por laços sanguíneos e por laços da emoção que se misturou ao choro do recém-nascido e da mãe. A menina não parou mais de cuidar de mulheres no momento de trazer ao mundo a nova vida. Áurea nasceu em 1928, tornou-se parteira em 1935. Parece ser uma profissão do passado, mas não é. A profissão de parteira conta, no Brasil, com aproximadamente 60 mil profissionais que unem aos conhecimentos técnicos a espiritualidade. Nas comunidades ribeirinhas amazônicas, as parteiras tradicionais são imprescindíveis na tessitura do cuidado com a saúde da mulher gestante e do recém-nascido. A prática e os saberes de mulheres com mãos benditas, como as de Áurea, trazem consigo o compromisso com a produção da vida e a responsabilidade com o bem-estar de suas comunidades. 

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