21/05/2025 às 14h22min - Atualizada em 21/05/2025 às 12h18min

Ai de ti, contemporaneidade!

Claudia Vanessa Bergamini

Claudia Vanessa Bergamini

Do Norte para o Sul

Claudia Vanessa Bergamini
 
Quando escreveu, há quase 70 anos, a crônica Ai de ti, Copacabana, Rubem Braga soube capturar as mazelas e as belezas do bairro carioca. Não quero falar de nenhum bairro, mas relendo Braga hoje,  eu lamentei a situação que venho acompanhando em relação ao comportamento humano e pensei: Ai de ti, contemporaneidade! São tantas ondas, tantos modismos, tantas frescuras, mas eu penso que a imbecilidade humana, ou a desinteligência, parafraseando a ministra, chegou ao seu ápice com a moda do bebê reborn. E friso: moda cara. Eu sei que os terapeutas argumentam que esses bebês podem trazer certo conforto emocional para pessoas em situação de luto; podem amenizar a insegurança e o estresse; agora, os psicólogos apontam para a linha tênue que separa o saudável - o ato de brincar - do comprometimento à saúde mental - o hobby que extravasa os limites da sanidade.  Ouvi um grupo de jovens fazendo paródias, cantavam e riam e provocavam  o riso sobre situações diversas, dentre as quais algumas que presenciei: oferecer o peito como se fosse amamentar; colocar o celular para despertar de tempo em tempo para trocar a fralda; valer-se dos privilégios da fila preferencial. Olha, eu brinquei muito de boneca na infância, brinquei de casinha com minha irmã, fazíamos comidinha, brinquei na rua, pulei corda, enfim, fui criança. De igual modo,  permiti à minha filha todas as brincadeiras da infância. No entanto, à medida que cresci, eu fui me interessando por outras coisas. Com minha filha ocorreu o mesmo. E penso, e podem me chamar de radical, que um ser humano mentalmente saudável age exatamente assim. Cada etapa da vida nos direciona para um interesse, até que, pouco a pouco, vamos definindo os que permanecem, os que vão ao encontro de nossa personalidade e, por que não dizer, de nossa idade. O que está acontecendo com as pessoas agora???? Desconfio que seja fruto da imaturidade para lidar com a vida e os problemas que batem à porta a todo instante. Claro que os adultos precisam de pausas lúdicas, mas pausas que se estendem sobremaneira apontam para a fuga da realidade. Em 2015, dando aula na EJA, uma professora deu de presente para uma aluna com Deficiência Intelectual uma boneca. Todos nós ficamos radiantes com a iniciativa da colega, e a aluna, à época com mais de 50 anos, ficou radiante. Pessoas especiais como essa aluna precisam do olhar atento de professoras, como foi o olhar da minha companheira de trabalho. Pessoas sem DI precisam aprender a enfrentar a vida. Saber separar a realidade da fuga e não viver imersa em pausas lúdicas tem se tornado ação rara. Esse fenômeno dos bebês reborn aponta mesmo é para a crise nos vínculos e nas relações sociais. Daqui a pouco os pets serão substituídos por pets reborn, porque a difícil arte de conviver está se perdendo. Fácil mesmo é ter um milhão de amigos nas redes sociais. E manter o best forever bem longe, viver com o rosto enfiado na tela e no colo trazer o bebê que não dá, de fato, trabalho;  não vai crescer e confrontar os pais; não vai brigar na escola; não vai puxar o cabelo do amigo; matar aula; tirar nota baixa etc. e tal, enfim, vai fazer o que toda criança ou adolescente faz, no seu tempo, do seu jeito até se tornar um adulto que sabe lidar com as dificuldades inerentes à vida real. Ai de ti, contemporaneidade!
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