Do testamento tradicional ao digital, o planejamento sucessório ganha novas dimensões diante de vínculos afetivos e patrimônios virtuais
O Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) chama a atenção para duas tendências que devem marcar o cenário jurídico e social nos próximos anos: o crescimento expressivo das famílias unipessoais e a relevância cada vez maior dos direitos pós-morte (post-mortem). Segundo os dados mais recentes do IBGE, 18,94% dos lares brasileiros já são compostos por pessoas que vivem sozinhas, um número que reflete não apenas transformações demográficas e culturais, mas também impõe novos desafios no campo do planejamento sucessório e na proteção de bens materiais e digitais. Paralelamente, a discussão sobre heranças digitais, preservação da memória virtual e gestão de ativos como criptomoedas ganha destaque no debate jurídico.
De acordo com a advogada atuante em direito de família no escritório Assis Gonçalves, Nied e Follador - Advogados, Eloise Caruso Bertol, a realidade das famílias unipessoais amplia a necessidade de se pensar no futuro de forma estratégica. “Pessoas que vivem sozinhas, sem herdeiros diretos ou com vínculos familiares mais distantes, precisam refletir sobre como seus bens, sejam eles físicos ou digitais, serão administrados após a morte. O testamento, por exemplo, torna-se uma ferramenta ainda mais importante nesse contexto, garantindo que a vontade do indivíduo seja respeitada”, explica.
Como lidar com ativos digitais
O tema se torna especialmente relevante quando observamos o crescimento exponencial de ativos digitais, como perfis em redes sociais, acervos de fotos e vídeos, contas em serviços de streaming, além de moedas virtuais e investimentos online, itens que compõem um patrimônio que muitas vezes não é previsto em testamentos ou regulamentos sucessórios. “Há uma lacuna entre a vida real e a digital. Muitas pessoas se preocupam em planejar a divisão de imóveis ou aplicações financeiras, mas esquecem de pensar no destino de sua vida online. Isso pode gerar conflitos familiares, disputas judiciais e até o desaparecimento de memórias importantes”, aponta Eloise.
Outro aspecto central destacado pela especialista é o impacto emocional das decisões sobre a herança digital, pois diferente dos bens materiais, que têm um valor econômico imediato, os ativos digitais carregam uma dimensão afetiva. “O que fazer com o perfil de uma rede social, por exemplo? Transformá-lo em memorial, apagá-lo, ou deixá-lo ativo? Essas escolhas precisam ser registradas em vida, pois envolvem não apenas patrimônio, mas também identidade e memória, além, é claro, da privacidade”, reforça.
Vínculos não normativos
Além disso, o avanço das famílias unipessoais impõe uma discussão sobre redes de apoio e solidariedade. Pessoas que vivem sozinhas podem ter relações de afeto fora do círculo tradicional da família, como amigos próximos, que não são reconhecidos automaticamente como herdeiros pela lei. “É justamente nesse ponto que a formalização da vontade se torna fundamental. O Direito de Família precisa acompanhar essa realidade, garantindo que escolhas afetivas tenham o mesmo peso que os vínculos de sangue, quando essa for a decisão do titular do patrimônio”, avalia a advogada.
A ausência de planejamento sucessório adequado pode trazer consequências graves, desde disputas prolongadas até a perda de bens digitais que poderiam ser convertidos em valores significativos ou preservados como parte da história de uma vida. Eloise destaca que, em 2025, essa discussão tende a se intensificar, especialmente pelo amadurecimento da legislação e pela pressão social diante de casos concretos. “Estamos vivendo uma era em que a fronteira entre o mundo físico e digital praticamente desapareceu. Ignorar esse cenário significa abrir mão do controle sobre o próprio legado”, conclui.
Como pensar num planejamento sucessório contemporâneo
1 - Testamento digital: busque formalizar a destinação de bens virtuais, incluindo criptomoedas, arquivos em nuvem e perfis em redes sociais.
2 - Guarda de senhas: mantenha registros seguros de acessos, com instruções claras sobre quem poderá utilizá-los após a morte.
3 - Legado em plataformas: muitas redes sociais já oferecem a opção de definir herdeiros digitais ou transformar o perfil em memorial.
4 - Planejamento afetivo: inclua amigos ou pessoas de confiança no testamento, especialmente em casos de famílias unipessoais.
5 - Assessoria jurídica especializada: buscar orientação profissional garante que todas as decisões tenham respaldo legal e possam ser efetivamente cumpridas.