04/04/2023 às 22h19min - Atualizada em 04/04/2023 às 22h19min

E vamos construindo pontes

Claudia Vanessa Bergamini

Claudia Vanessa Bergamini

Do Norte para o Sul

Claudia Vanessa Bergamini
Ponte inaugurada em setembro de 2020 (Foto: Claudia Vanessa Bergamini)
Ainda seguem alagados quase 40 bairros de Rio Branco. Embora eu esteja segura em minha casa, não vivo em uma bolha, então, muitas são as sensações que me invadiram nas últimas duas semanas e, em que pesem as sensações ruins, lembranças muito boas chegaram até mim. E nesta crônica, compartilho uma delas. Era setembro de 2020, pandemia, mas em função do trabalho de meu marido, fizemos uma viagem a uma cidade bem próxima à fronteira com a Bolívia, mais especificamente fomos a um ramal, para a inauguração de uma ponte. Eu já sabia o que era ramal e conhecia a necessidade de estarem sempre muito conservados. São estradas rurais, abertas no meio da floresta, e atendem a uma população imensa. São extensos e não asfaltados, um areião, com todos os habitantes da floresta passeando por eles. Foi em um ramal que vi uma cobra laranja muito grande e a mais linda de que tenho memória. E quanto à ponte, eu tinha certeza de que sabia o que é uma ponte. Quando pensei nela, imaginei logo uma estrutura metálica ou em concreto a ser inaugurada. 40 kms ramal adentro, chegamos à ponte. A comunidade estava em peso lá. E a felicidade pelo que estava sendo entregue era tanta que fomos avisados de que, depois da inauguração, haveria um churrasco. Um boi morto para os festejos da ponte. Desci da caminhonete e quis logo ir até ela. Olhei para a estrutura de madeira que se desenhava em minha frente. Era grande, com madeiras muito espessas, mas nada de concreto ou metal. A comunidade em cima dela, muito feliz. Aí fui ver a ponte antiga que passava ao lado e era bem baixa e muito pequena. Eu diria que era meia dúzia de tábuas que representavam muito mais perigo do que eu imaginava. E com a chuva, alguém me ensinou, ela fica totalmente encoberta e nós impossibilitados de irmos à cidade buscar mantimentos, ir ao médico. Eu me virei novamente para a ponte nova. Naquele instante, eu compreendi que o valor de algo depende do olhar que dispensamos a ele.  E o meu olhar para a ponte mudou. Dentro de mim, muitas sensações boas emergiram, porque vi ali não mais uma ponte, mas o acesso a novas possibilidades, até então, inexistentes. E naquele ramal tão distante, naquela ponte de madeira simplória, eu vi pulsar a possibilidade de mover-se e a satisfação de um povo que precisa da construção de muitas pontes para que se sinta valorizado. Eu de madeira não posso construir, mas de respeito e admiração sigo construindo pontes.
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