A Delegacia de Homicídios de Maior Complexidade (DHMC), da Polícia Civil do Paraná, surgiu em 2014, em Curitiba, quando foi criada no Estado a Divisão de Homicídios e Proteção à Pessoa. Nessa configuração, a capital paranaense passou a ter quatro delegacias de homicídios (dispostas por regiões geográficas), sendo uma especialmente dedicada aos crimes que escapam à régua.
Nesses oito anos foram solucionados centenas de casos. Apenas em 2022 foram esclarecidos 114 crimes, o ano mais produtivo. Nos últimos três anos foram mais de 200 inquéritos concluídos e encaminhados para a Justiça. A DHMC trabalha com todos os crimes que não foram elucidados pelas delegacias comuns em até dois anos. Além disso, a partir de sua criação, a DHMC herdou todos os casos de homicídios mais antigos ocorridos em Curitiba e que permaneciam sem solução.
Os crimes envolvem dificuldades relacionadas ao entendimento da dinâmica dos fatos, depoimentos controversos, e outras particularidades das investigações. Para atuar nessa área, os policias passam por treinamento, se aprofundam em conhecimentos de mobilidade social e urbana, além de pesquisarem a fundo a dinâmica de atuação dos grupos criminosos.
O Paraná é o único estado brasileiro que tem uma delegacia constituída e voltada à elucidação de crimes antigos, e ela é a personagem da vez da série de reportagens “Paraná, o Brasil que dá certo”.
O delegado titular da unidade, Marcos Fernando da Silva Fontes, explica que a singularidade do Paraná nessa área foi atestada no 3º Encontro Nacional de Diretores de Departamento de Homicídios, ocorrido em Salvador, em dezembro do ano passado, que teve como temática principal a Estratégia Nacional de Combate a Homicídios.
“Elaboramos vários critérios para que haja uma padronização na investigação de homicídios no Brasil. E foi constatado que a única Divisão de Homicídios e Proteção à Pessoa em que existe uma delegacia especializada em crimes complexos é a do Paraná”, afirma. “Nas demais, a solução destes crimes acontece em regime de força-tarefa em determinada época do ano ou quando se julga necessário. Aqui temos uma delegacia exclusiva que trabalha a investigação no segmento”.
Para o delegado, a função principal é dar uma satisfação à comunidade, evitando a prescrição de crimes e mostrando aos criminosos que o crime não compensa.
“Quando se deixa de agir e um crime prescreve, acaba gerando impunidade. Então a DHMC vem para demonstrar isso: no Paraná, existe um órgão que vai apurar, ainda que um inquérito seja arquivado momentaneamente, porque os policiais não conseguiram produzir provas suficientes. Continuamos buscando elementos, analisando dados e cenários, e se surgirem elementos de convicção, este inquérito poderá ser desarquivado e o criminoso irá responder”, completa.
Desde 2019, a DHMC passou a atuar em quatro subdivisões, como as Delegacias de Homicídios. “Temos na Capital quatro delegacias de homicídios divididas por regiões geográficas. E estruturamos a nossa Delegacia de Homicídios de Maior Complexidade da mesma forma. Assim as equipes dialogam, trocam informações e isso permitiu um maior índice de solução de crimes, culminando no ano de maior produção, em 2022”, explica.
A equipe reanalisa os inquéritos, refaz diligências, intima novas testemunhas e aplica conceitos mais modernos de investigação, no intuito de esclarecer e elucidar os crimes. “Muitas vezes, uma informação importante surge anos depois porque o autor foi preso, morto, ou porque surgiu um novo recurso tecnológico. Todos esses elementos contribuem com o andamento do nosso trabalho”, ressalta Fontes.
O delegado afirma ainda que, ano a ano, os crimes remetidos à DHMC vêm diminuindo por conta da cobertura especializada dos policiais civis que presidem os inquéritos mais recentes. O índice de solução de crimes antigos tem aumentado ano a ano. Segundo ele, isso ocorre porque as áreas estão mais consolidadas, as delegacias trabalham em conjunto, as equipes têm mais acesso à tecnologia, além da proximidade com a Polícia Científica.
“Todo este entrosamento e também a parceria com a Polícia Científica e o Ministério Público têm sido fundamental. Muitas vezes precisamos que o promotor encampe as nossas posturas. Isso tem acontecido e tem possibilitado índices maiores de solução de crimes em relação aos outros anos”, explica.
Para a delegada-chefe da Divisão de Homicídios e Proteção à Pessoa, Camila Cecconello, o diferencial da DHMC é não instaurar novos procedimentos, e sim dar sequência ao trabalho não esclarecido. “Com a lotação de novos servidores, que passaram a atuar de forma integrada e compromissada em diversos inquéritos policiais antigos, o trabalho ganhou força, refletindo no aumento dos índices de solução”, afirma.
Como resultado do trabalho positivo da especializada, um dos inquéritos solucionados foi o homicídio de Adriano Peres da Silva, ocorrido em abril de 2012, no bairro Bacacheri, em Curitiba. O crime foi resolvido nove anos depois, devido à localização de novas testemunhas que, sob a condição de anonimato, forneceram informações para a elucidação do caso. O autor foi indiciado por homicídio duplamente qualificado e impossibilidade de defesa da vítima.
Outro caso solucionado pela DHMC foi o homicídio de Cleverson Fernandes de Souza, ocorrido em março de 2017, no bairro Butiatuvinha, na capital paranaense. A grande dificuldade em elucidar o crime foi reunir elementos de convicção que demonstrassem a dinâmica do fato e autoria porque testemunhas eram ameaçadas por uma organização criminosa. O inquérito policial foi concluído em 2022.
Ainda em 2022 foi solucionado um crime cometido há 29 anos. Outro homicídio, também elucidado no ano passado, ocorreu há 22 anos. “Nestes casos, os processos foram suspensos para evitar a prescrição. E quando tivemos os elementos necessários, foi possível solucionar e prender os autores”, comenta Fontes.
A tecnologia tem sido a principal aliada na solução de crimes antigos. Outro exemplo concreto no Paraná foi a solução do assassinato da menina Raquel Genofre, ocorrido em 2008. Ela tinha 8 anos na época e foi encontrada morta dentro de uma mala, na Rodoferroviária de Curitiba. A solução do crime se deu pelo cruzamento de dados no Banco Nacional de Perfis Genéticos.
Apesar de o Paraná possuir um banco estadual desde 2014, a integração nacional de bancos só virou realidade em 2019. Assim, somente 11 anos depois a Polícia do Paraná conseguiu identificar o autor do crime, que foi condenado a 50 anos de prisão. O caso foi solucionado também graças a todo o trabalho feito pela perícia à época do crime.
A DHMC conta com o apoio de dois sistemas que fazem confronto de dados e auxiliam solução de crimes. Um deles é o Sistema AFIS Criminal, do Instituto de Identificação do Paraná (IIPR), que faz o cruzamento de impressões digitais encontradas em cenas de crimes com o novo banco de dados nacional. Na maioria dos inquéritos antigos, o resultado é positivo e a equipe consegue chegar à autoria.
Outro sistema implementado para facilitar o trabalho da especializada é o Sistema Nacional de Análise Balística (Sinab). É realizado um confronto digital entre armas apreendidas recentemente e estojos recolhidos em cenas de crimes antigos. “Muitas vezes uma arma apreendida em 2022, por exemplo, acaba dando confronto positivo com estojos apreendidos anteriormente. Não é automático, por isso a equipe precisa ser experiente e analisar caso por caso”, complementa a delegada Camila.