Proteger o ambiente escolar é um caminho contra a oferta de alimentos ultraprocessados, ricos em açúcar, sódio e gorduras que refletem diretamente na saúde de crianças, adolescentes e jovens. Para discutir o direito à alimentação saudável dos pequenos consumidores paranaenses, a Comissão de Defesa do Consumidor da Assembleia Legislativa do Paraná, realizou a segunda de cinco audiências públicas voltadas à Consolidação das Leis do Consumidor no Estado.
O tema do encontro desta quarta-feira (20), que mais uma vez lotou o Plenarinho, foi “Alimentação Saudável nas Cantinas Escolares”. A iniciativa é do presidente da Comissão, deputado Paulo Gomes (PP), que encabeçou a revisão de 90 leis e 15 projetos de lei voltados às relações de consumo, para a formalização de um só documento legal no Paraná.
“Nós temos uma lei (nº 14.855) de 2005, que inclusive coloca marca de produtos para oferta nas escolas, o que não pode acontecer. Uma lei que é desconhecida ou é descumprida. Por isso, ouvimos as entidades, os nutricionistas, instituições que trabalham com saúde e alimentação, para reunirmos as propostas de melhoria dessa legislação, para que a gente tenha a valorização da vida com uma alimentação saudável, para construirmos leis aplicáveis. Então, é importante que a gente converse com esses atores que lidam com a nutrição para identificar qual é a modernidade que a lei do Paraná exige e que seja cumprida”, explicou o deputado Paulo Gomes.
“Um tema muito importante e, com a ajuda de especialistas e juristas, vamos chegar a um documento final com um benefício para toda a população. Com a nutrição é possível ter uma vida melhor diariamente”, disse o deputado Adão Litro (PSD), que irá comandar a Comissão Especial da Assembleia para a formalização do novo Código.
“A pandemia e o fechamento das escolas promoveu aumento da desnutrição, de 20% no sobrepeso e de 13% da obesidade nas crianças. Entre os desafios está a importância do aleitamento materno, porque vemos a introdução alimentar muito cedo; evitar alimentos ultraprocessados e açúcar antes do dois anos. Infelizmente a indústria de alimento é perversa e só visa o lucro. Isso tema ver com impostos e temos de discutir a tributação, pois alimentos saudáveis são mais caros. Precisamos falar disso com a sociedade, porque ela está adoecendo sem saber. Também é preciso a regulação da publicidade dos alimentos ultraprocessados”, defendeu a deputada Márcia Huçulak (PSD).
Na avaliação da presidente do Conselho Regional de Nutricionistas da 8ª Região (CRN8), Cilene da Silva Gomes Ribeiro, o trabalho da Assembleia na discussão da alimentação saudável representa um momento histórico. “Podemos ser referência para o país e para o futuro dos nossos escolares, que hoje se alimentam muitas vezes muito mal. Temos um grave cenário de doenças aliadas à má alimentação. Não estamos falando apenas da cantina, mas da alimentação como um todo. Nas escolas públicas, há uma preocupação muito grande, graças ao PNAE (Programa Nacional de Alimentação Escolar), mas precisamos garantir que seja assegurado também nas privadas”, cobrou.
“A Audiência demonstra à sociedade a importância da alimentação saudável no âmbito escolar, é nesse momento que a criança tem de ser ensinada e direcionada também para o acesso saudável à alimentação. Cada vez mais a gente tem crianças obesas, com diabetes, com colesterol elevado”, acrescentou Cilene.
Hábitos alimentares
“O que temos percebido e o que a ciência tem mostrado é que o aumento do consumo dos alimentos ultraprocessados está relacionado a doenças, ao aumento de peso em crianças e adolescentes. E, considerando que os hábitos alimentares construídos na infância e na adolescência tendem a se perpetuar na vida adulta, isso é muito preocupante. Por isso, é muito mais fácil construir esse hábito saudável na infância, tomar mais cuidado com a criança e o adolescente do que reverter esse cenário grave nossa na população adulta”, disse a representante do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC), Ana Maria Maya.
Ela citou que, no Paraná, 32,9% das crianças de 5 a 10 anos estão com excesso de peso (incluindo sobrepeso e obesidade) –, dado superior à média nacional, que aponta 28% de excesso de peso na mesma faixa etária. O número dobra na idade adulta, quando o estado conta com 70,6% da população com excesso de peso.
“Há um aparato jurídico que prevê a defesa das crianças e dos adolescentes. Então, é importante que a gente proteja as crianças do consumo desses alimentos que são prejudiciais à saúde. Os caminhos são a regulação das cantinas e a promoção de escolas como ambientes alimentares saudáveis. Com ações de restauração alimentar e nutricional e restrição também da publicidade dos ultraprocessados dentro das escolas. Por isso, é importantíssimo que esta Casa Legislativa esteja discutindo a implementação de uma lei nesse sentido, porque vai contribuir para o cuidado das crianças e adolescentes do Paraná”, reforçou Ana Maria Maya.
A nutricionista e chefe da Divisão de Promoção da Alimentação Saudável e Atividade Física da Secretaria Estadual de Saúde do Paraná (Sesa), Cristina Klobukoski, falou sobre a obesidade infantil e o impacto em outras fases da vida. “Crianças com obesidade têm 75% de chance de se tornarem adolescentes com obesidade, enquanto um adolescente obeso tem 89% de chance de se tornar um adulto com obesidade”.
A nutricionista e professora adjunta aposentada do curso de Nutrição da Escola de Medicina e Ciências da Vida da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), Maria Teresa Gomes de Oliveira Ribas, abordou a educação alimentar. “A base do direto humano à saúde é o acesso a uma alimentação adequada. Vivemos hoje uma Sindemia Global, reunindo três problemas mundiais: a obesidade, a desnutrição e as mudanças climáticas. Três pandemias que têm como elo a forma como mundo produz o alimento”.
A diretora do Departamento de Segurança Alimentar e Nutricional da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Paraná, Márcia Cristina Stolarski, tratou sobre a importância da inserção do alimento orgânico e da agricultura familiar na escola. “Hoje, apenas 22,1% dos brasileiros ingere as 400 gramas de frutas e hortaliças recomendadas por dia. Com o tempo, só estaremos desembalando alimentos e não teremos nada para descascar. Se uma criança diz que quer ser agricultor, ela sofre bullying”, comentou.
Escolas
A coordenadora de Planejamento da Alimentação Escolar do Departamento de Alimentação e Nutrição do Governo do Estado, Rosângela Mara Slomski, falou sobre as experiências exitosas do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) no Paraná, com o foco nas ações de educação alimentar e nutricional. “Importante essa adequação da legislação para atender a realidade atual. Hoje o estado segue boas práticas e o controle da alimentação ofertada nas escolas. Contamos com 20 mil produtores que fornecem produtos da agricultura familiar e temos orgulho de ofertar a melhor alimentação escolar do país”, disse.
“Não é permitido que o aluno leve alimentos ultraprocessados na escola. Servimos 141 mil refeições dia, em 235 CMEIS, a 32 mil crianças. Já nas escolas municipais são 154 mil refeições, em 219 escolas, a 87,7 mil crianças”, explicou a integrante da Gerência de Alimentação na Secretaria de Educação de Curitiba, Vanessa Prestes. Os cardápios também atendem restrições alimentares tanto em relação a patologias, religião, seletividade alimentar e opções como, como no caso de crianças vegetarianas e veganas, por exemplo.
“Uma iniciativa louvável da Assembleia Legislativa e da Comissão de Defesa do Consumidor e um trabalho hercúleo de consolidar as legislações em defesa do consumidor”, elogiou o procurador de Justiça e coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Defesa do Consumidor e da Ordem Econômica, Ciro Expedito Scheraiber. “Só podemos resolver essa questão alimentar, que afeta tão diretamente a saúde, com a educação e a melhoria das questões sociais e econômicas para facilitar o acesso a todos.”
Representando o Conselho Federal de Nutrição, Deise Batista falou da importância de acesso a informações nutricionais dos alimentos para escolhas mais saudáveis.
Novas audiências
No dia 13 de setembro, a Comissão de Defesa do Consumidor debateu as fraudes bancárias envolvendo empréstimos consignados a aposentados e pensionistas no Paraná e outras três ainda acontecerão até o mês de dezembro com as seguintes abordagens: Relações de Consumo com os Prestadores de Serviço de Transporte Coletivo (18 de outubro); Serviços Essenciais de Telefonia, Internet e Aplicativos de Comunicação (22 de novembro) e Comércio de Veículos e Planos de Saúde (13 de dezembro).