01/08/2023 às 20h00min - Atualizada em 01/08/2023 às 20h00min

O teatro impulsionado pela pandemia em “Céu Branco, Colônia Matadouro”

Da Redação

André Grejio/Divulgação

Estreia no próximo sábado (5 de agosto), na Usina Cultural, às 20h, o espetáculo teatral “Céu Branco, Colônia Matadouro”, do Coletivo Semeia Vento, com texto e direção de Luan Valero. Divida em três planos: amanhã, ontem e hoje, a peça se inspira em antigas e vivas perspectivas de matriz africana e afro-diaspóricas em relação ao tempo, como a dos banto bacongos, em África e a dos Reinados, no Brasil; nelas, a temporalidade não se dá em linha reta, como na visão euro-ocidental, mas em espiral e nem sempre na mesma direção. Em cena, relações familiares, dramas ambientais e o futuro dentro de uma distopia possível. 

Uma obra de ficção que se passa em um futuro distópico onde fica a Colônia, uma área industrial quase abandonada e isolada, numa referência às antigas colônias que abrigavam famílias de pessoas trabalhadoras em fazendas nas primeiras décadas do pós-abolição no Brasil e aos primeiros frigoríficos do país, como o Matadouro no Campo de Santa Cruz (fundado no Rio de Janeiro em 1881) e a Companhia Frigorífica e Pastoril de Barretos (1913). O projeto conta com o Patrocínio do PROMIC – Programa Municipal de Incentivo à Cultura e apoio da ASSOMMAR - Associação de Moradores do Jardim Maringá, Vila Usina Cultural e Vila Cultural Barracão Tangará. Os ingressos para todas as apresentações da temporada (dias 5, 6 e 13 de agosto na Usina Cultura e dias 19 e 20 no Barracão Tangará) são gratuitos e devem ser retirados na plataforma Sympla, com atalho pelo link: https://linktr.ee/semeiavento Classificação indicativa: 12 anos. 
 
O projeto nasceu durante a pandemia, a partir da vontade do diretor e dramaturgo Luan Valero que observando a sua própria experiência quis reunir pessoas que já desenvolviam trabalhos na cena teatral londrinense, espalhadas em ações criativas em trabalhos sem uma forte identidade racial. O desejo de Valero era reunir um grupo de artistas autodeclarados negros. “Havia também o intuito de introduzir em um projeto profissional, iniciantes como ex-alunos meus de cursos livres. Eu me perguntava se poderia contar com pessoas negras em todas as funções de uma montagem, se havia mão de obra especializada e o porquê de elas nunca serem a maioria. Das 20 pessoas que o projeto mobilizou, quinze são autodeclaradas negras. Acredito que isso seja de relevância e motivo de reflexão para toda a comunidade artística londrinense”, afirma. A pandemia foi para o dramaturgo, um momento de autoexame como artista e como ser humano. “Foi quando fiz uma revisão dos meus textos escritos até então, o que resultou na publicação de ‘A Pereira da Tia Miséria’ em 2020 e na vontade de trabalhar em um projeto negro. A conjuntura política do país e o crescente número de mortes nos fez questionar nosso papel como artistas. Dentro de mim ecoavam Brecht e Abdias Nascimento e eu queria dividir isso com semelhantes. Assim levantei, junto à Luli Rodrigues, alguns nomes e começamos as reuniões de um grupo de estudos que, quando fosse possível, se encontraria também em sala de ensaio”, conta.

O mote inicial era o aquilombamento. O grupo de estudo cresceu junto com a escrita do texto que daria base à montagem até que encontraram o conceito do “especismo”, que classifica e hierarquiza seres animais com base em suas espécies, num sistema discriminatório anterior ao de raça social e ao de gênero, que privilegia o ser humano como “espécie superior”. Elaborado especialmente para o grupo, o argumento da peça foi selecionado pelo segundo edital Dramaturgias em Processo, do TUSP - Teatro da USP,  está em fase de editoração e deve ser publicado pelo TUSP agora, no segundo semestre de 2023. “Lá realizamos uma leitura seguida de um debate no começo de junho e a recepção foi ótima, com expectativas para a montagem, que estava em andamento aqui em Londrina. Escrevo para teatro há 15 anos, em projetos de maior ou menor alcance. Sinto que meus últimos trabalhos de escrita têm escavado mais minhas cavernas interiores, minhas construções e minhas ruínas também. Em "O vesseiro de Mavi" que escrevi para o espetáculo "Emaranhada", da Amarilis Irani, em cartaz em São Paulo, me dirijo ao público infantil, especialmente a crianças negras, para falar sobre a dor da perda na infância, autoestima e poder da imaginação. Em "Ohlif", texto que compus para o solo do Yuri Komatsu, aqui de Londrina, no ano passado, toco na questão da paternidade e no mito da masculinidade, questões perenes e urgentes de debate. Em "Céu branco" falo sobre relações familiares e de afeto entre homens e novamente sobre paternidade, ao mesmo tempo em que proponho uma reflexão antiespecista”, revela Valero.

Por ter como pano de fundo um futuro distópico e hostil, a montagem também toca questões ambientais. “Ao mesmo tempo em que nascia o grupo de estudos, crescia em mim o mote para um texto onde, pela primeira vez, eu traria algumas questões que me atravessam e com as quais me posiciono no mundo, como o veganismo. Ele não chega a ser o tema da peça, que foca muito mais na relação entre os irmãos Gus e Ulisse e na de ambos com o pai, Ivo. No entanto, o futuro distópico pressupõe uma distância da nossa realidade que pretende potencializar a maneira como enxergamos o agora. A pandemia de COVID-19, a marca dos oito bilhões de pessoas no planeta, o Relógio do Clima, e a crescente demanda por carne e produtos de origem animal, quando é sabido que a pecuária está na base da crise ambiental, foram algumas das inquietações que me fustigaram ao longo da escrita. Assim, em Céu branco, o colapso já aconteceu e a sociedade começa a se desenvolver novamente, mas fadada ao fracasso quando comete os mesmos erros”, explica. Apesar de algumas tecnologias terem se extinguido após a grande catástrofe ambiental a qual o texto faz alusão, outras sobreviveram e são empregadas na exploração de corpos por parte dos mesmos detentores de poder de outrora, aqui representados em Cândi, o dono da Colônia. 

O céu branco do título é o que as pessoas enxergam depois desastre global. Gus vive escondido pelo pai, nesse território chamado Colônia, um isolado matadouro, adaptado às novas condições comerciais para atender a cidade. Ivo, o pai, o esconde para poupá-lo do trabalho sem saber que o filho tem o hábito de sair escondido  para vagar pela mata, ao redor da Colônia. É numa dessas saídas que Gus encontra o irmão mais velho, Ulisse, que fugiu dali anos atrás e que agora tenta retornar. A relação entre Gus e Ulisse é um mote cativante para o espectador. Valero também atua, dando vida a Ivo, o pai dos rapazes: “É uma personagem controversa, que ama os filhos e ao mesmo tempo é o braço direito de Cândi, o dono da Colônia, mentor de toda a exploração que acontece ali. Arrisco dizer que meu texto é mais influenciado pelo conceito de ‘teatro épico’, ao mesmo tempo que enxergo nele um forte traço de tragédia. Enquanto trama, a maior influência é a do conceito de ‘tempo espiralar’, uma perspectiva diferente da ‘linha reta’ comum ao drama aristotélico, organizada e refletida pela grande professora Leda Maria Martins em seu livro ‘Performances do tempo espiralar’”, analisa. 

Serviço:

“Céu Branco, Colônia Matadouro”
Coletivo Semeia Vento
Dias 5, 6 de agosto, às 20h, na Usina Cultural (Av. Duque de Caxias, 4159)
Dia 13 de agosto, às 17h e 20h na Usina Cultural (Av. Duque de Caxias, 4159)
Dias 19 e 20 de agosto no Barracão Tangará (Rua: Augusto Severo, 544, Bairro Aeroporto) 
Classificação indicativa: 12 anos
Patrocínio: PROMIC - – Programa Municipal de Incentivo à Cultura 
Apoio: ASSOMMAR - Associação de Moradores do Jardim Maringá, Vila Usina Cultural e Vila Cultural Barracão Tangará
Ingressos gratuitos e devem ser retirados na plataforma Sympla, com atalho pelo link.


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