A OAB Paraná apresentou uma reclamação disciplinar ao corregedor do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ministro Luís Felipe Salomão, na qual faz o pedido cautelar de afastamento do cargo do Luís Cesar de Paula Espíndola e sua remoção da 12ª Câmera Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná (TJ-PR).
“É imperioso o afastamento do Desembargador do cargo – antes mesmo da insaturação do procedimento administrativo – até que sejam apreciados os fatos apresentados no presente procedimento”, diz o documento assinado pela presidente da seccional, Marilena Winter.
“As manifestações do Desembargador são graves. Afirmar que ‘as mulheres estão loucas atrás dos homens’ e deveriam se sentir lisonjeadas pela atenção masculina, bem como que os discursos feministas são fruto de uma ‘falta de homem’, além de discriminatório, reforça preconceitos, pré-julgamentos e estereótipos de gênero, como se as mulheres fossem criaturas dependentes da aprovação, aceitação e desejo masculino”, aponta a representante da advocacia paranaense.
A reclamação apresentada ao CNJ, dia 04/07 (quinta-feira), mostra o completo desrespeito por parte do magistrado à prática do julgamento com perspectiva de gênero, determinada pelo próprio Conselho. “Tal comportamento demonstra não apenas um elevado grau de desconhecimento sobre a Resolução nº 492/2023 para julgamento com perspectiva de gênero, de cumprimento obrigatório pelos magistrados e tribunais, mas revela um profundo desrespeito para com as mais recorrentes vítimas de todo tipo de violência: as meninas e mulheres brasileiras. Sua postura profissional deixa o universo dos fatos, dos dados e do direito para ser fundamentada em opiniões destituídas de força normativa. Não há em sua atuação o compromisso com os deveres da magistratura, nem mesmo com justificativas para quando deixa de aplicar e observar normas vigentes”.
O Paraná é citado como o estado com maior número de ocorrências registradas de assédio sexual no Brasil. Segundo dados do Anuário de Segurança Pública do Paraná de 2022, 1.013 mulheres fizeram boletins de ocorrência pelo crime naquele ano. O número de casos de importunação sexual também é alto. No mesmo ano, foram 2.295 registros.
A conduta do magistrado envolveu ainda o desrespeito à advocacia, ao calar de forma abrupta um advogado que estava na tribuna e um comentário ofensivo à democracia, ao citar um cenário de guerra, o que “acarretaram descumprimento de seu dever de cumprir com serenidade os seus atos de ofício, previstos no 35, VIII, da Lei Complementar nº 35/79; artigos 1º, 2º, 15, 16, 24, 25, 37 e 39, todos do Código de Ética da Magistratura Nacional; bem como em ofensa a Resolução 492 do Conselho Nacional de Justiça”, observa a presidente da OAB Paraná.
Incompatibilidade
A OAB sustenta que o desembargador vem apresentando conduta incompatível com o exercício do cargo, “notadamente em uma turma que trata quotidianamente de violência intrafamiliar. Isso levanta preocupações de que a ética do referido magistrado em sua vida privada também se estenda aos julgamentos dos quais participa, o que atentaria contra a obrigação do Estado brasileiro de coibir a violência de gênero”. Espíndola atua como presidente da 12º Câmara Cível, que julga as ações relativas a Direito de Família, união estável e homoafetiva; ações relativas ao Estatuto da Criança e do Adolescente, ressalvada matéria infracional e ações relativas ao Direto de Sucessões.
A petição lembra que o TJ-PR realiza iniciativas voltadas à promoção da igualdade de gênero, contudo, ressalta que esse tipo de conduta não é adotada pelo desembargador. “Isso se evidencia nas sessões de julgamento em que o Desembargador Luís César de Paula Espíndola participa, onde ele demonstra claramente sua resistência ao sistema de combate à violência de gênero, recusando-se repetidamente a aplicar o Protocolo de Julgamento com perspectiva de gênero”, diz o texto, que também lista uma série de outros exemplos de declarações de Espíndola em outras ocasiões misóginas e incompatíveis com a postura que se deve ter em seu cargo.
Atualmente a corte realiza formação contínua de servidores e magistrados sobre o tema, especialmente após a implementação obrigatória do Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero pelo Conselho Nacional de Justiça. Tal resolução foi criada porque o Estado brasileiro sofreu condenação internacional por não ter medidas efetivas prevenção de discriminação de gênero no Poder Judiciário.
O país é também signatário de diversos tratados internacionais de combate à discriminação e à violência de gênero, como a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (Decreto nº 4.377/02) e a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (Decreto nº 1.973/96).