Dentre as oportunidades que se abriram para mim desde que me mudei ao Acre, conhecer os países da fronteira com o Brasil - Bolívia e Peru - está entre as mais encantadoras. A capital da Bolívia, La Paz, tem mistérios culturais e encantos gastronômicos e históricos incontáveis. No Peru, a província de Madre de Diós traz as peculiaridades de uma Amazônia desconhecida, a Amazônia peruana. A língua espanhola, herança do colonizador, se mescla com o Aimará e o Quechua nos dois países, além de outras, também heranças dos Incas. O tempero acentuado peruano do ‘pollo a la brasa’, do ‘ceviche’, acompanhados de ‘cusqueña de trigo’ ou suco de cocona, é exemplo de sabor que, uma vez levado à boca, só se deseja repetir. A carne de ‘llama’ servida na Bolívia junto com ‘pico de gallo’ é de sabor indescritível. Se o templo dos Incas em Tiwanaku e em Machu Pichu permite recontar a história, o Mercado de las Brujas nos leva diretamente a ela. Ervas, chás, plantas e receitas cujos ingredientes vão de coca a feto humano nos tiram o chão, mas aguçam a curiosidade para entender como o tempo parece não ter passado nesse pedaço de mundo, que tem a cura exótica para todos os males. Diferente do shorts curtos e blusas de alcinha muito usados no Brasil, nesses países o corpo fica coberto. Jovens, a exemplo dos que conheci nas duas universidades em que ministrei cursos, preferem o corpo coberto, roupas discretas que valorizam o corpo sem qualquer exposição demasiada. E isso foi uma surpresa para mim. Dos sabores que provei, cultivo a memória gastronômica; das línguas que ouvi, invejo a resistência cultural que permitiu se manterem vivas, séculos depois da chegada do colonizador e, de tudo quanto meus olhos puderam alcançar, trouxe, para além de registros fotográficos, outros muitos a incluir o respeito e a admiração por essas culturas que são, de fato, milenares.